"Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer"
Graciliano Ramos

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A carta

Fiquei de mandar essa carta há meses atrás, porem me sucederam inúmeros imprevistos e acabei adiando mais do que devia. Deve você pensar que me acidentei, ou que acabei por desistir de me comunicar com você de vez. Mas não. E peço-lhe perdão se fiz mal a sua autoestima.

Aqui ainda é aquela turbulência. Os mesmos relatórios e o mesmo programa a noite. Confesso invejar você, que tem a vantagem de nunca revelar paradeiros. Talvez seja isso que eu inveje, o “não dar satisfações”.


Eu andei ocupado por um tempo devido aos balanços da firma, aos escândalos da prima, a dificuldade da rima, e a meu notável déficit de responsabilidade para com minhas muitas promessas. Esforço-me às vezes – como agora, por exemplo – as cumprindo. Com certo atraso.

Passei uns dias introspectivo. Pensando no que deveria escrever aqui, isso contribuiu muito com a minha demora. Não que eu queria estar omitindo a culpa, seria um paradoxo. Cogitei por tempos em te mandar um resumo em tópicos cronologicamente organizados. Mas você sabe, tenho dificuldade com datas. E ainda mais, seria deveras formal. Tentei escrever um poema de saudade, mas esse não me satisfez.  Aí pensei em reviver memórias e bons momentos. Mas a escassez de conteúdo me desanimou por completo. Devo ser sincero, não passamos o que se poderia chamar muitos de momentos felizes. E eu não escreveria uma carta de um parágrafo.  Ambos sabemos, não é segredo. Diria sobre a tarde na ponte. O jantar pós-formatura, uma ou duas tardes de ócio e mais o quê?

De certo queria ter aproveitado melhor nosso tempo. Mais abraços. Mais silencio. Quem sabe poderíamos ter nos entendido melhor. Ter escolhido o suspense ao drama. Mas então é que somos o que somos. E não fomos sábios com escolhas.

Um colega de trabalho nosso perguntou de você umas semanas atrás. Parecia ansioso. Fui esguio - que coisa feia essa de esquecer-se de buscar notícias para depois ouvir “e a saudade, está no bolso?” e coisas similares. Agora ao menos posso dizer que estou esperando respostas, o que é menos constrangedor.

Mandam abraços o seu ex-professor de psicologia - a quem culparei eternamente pela sua dificuldade em ser clara -; aquele seu ex-namorado do bar dos estudantes; a sua mãe, é lógico; e a sua empregada. Pediram se por gentileza você possa mandar cartões postais de onde estiver. Para terem pelo menos uma vaga ideia dos lugares que você está visitando.

O que deveria ser dito foi. Um pouco do que não deveria também. Mas que, porém, contribuiu para o volume da carta. Esperamos você para as próximas chuvas. Beijos de dois anos.

Obs: Está indo aí aquela sua crítica sobre evasão feita no colegial. Aproveite.

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