"Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer"
Graciliano Ramos

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Poética alheia V

Geometria dos Ventos


Eis que temos aqui a Poesia,
a  grande Poesia.
Que não oferece signos
nem linguagem específica, não respeita
sequer os limites do idioma. Ela flui, como  um rio.
como o sangue nas artérias,
tão espontânea que nem  se  sabe como foi escrita.
E ao mesmo tempo tão elaborada - 
feito uma flor na sua perfeição minuciosa,
um cristal que se  arranca da  terra
já dentro da geometria impecável 
da sua lapidação.
Onde se conta uma história, 
onde se vive um delírio; onde a condição humana exacerba,
até à fronteira da loucura, 
junto com Vincent e os seus girassóis de fogo,
à sombra  de Eva Braun, envolta no mistério ao
                                                  mesmo  tempo
fácil e insolúvel da sua tragédia.
Sim, é o encontro com a Poesia.
Rachel de Queiroz

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Assalto.

E quem é que vendeu essa poesia
Que esperava à fila do sindicato?
Quem aqui anoiteceu meu doce dia?
Quem tarde conseguiu esse mandato

Para sumir pra não se sabe onde?
Levou os versos que não quis vender
Nem pra rei, presidente, duque ou conde.
A Minha redondilha do não ser

Foi leiloada pela Ásia a fora:
não eram versos bons; poesia farta.
Mas é tarde, o poema foi-se embora.

Eu perdi o meu soneto autodidata.
Perdi meu fá, a nota foi-se em hora.
disso eu descobri: Poesia mata.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Pobrezinho menestrel.

O poeta faz versos pra falar
Do ócio, da ânsia, do mar...
Nos seus versos o poeta reclama.
O poeta cansou de declamar.
O poeta, ah, pobre do poeta...

O poeta, ah, pobre do poeta...
Todo o seu amor se foi de doença;
De tédio; de outro amor; da cidade...
Ah, que pena do pobre do poeta,
Gente do tempo da delicadeza.

O poeta, ah, pobre do poeta.
Fez versos pra abafar a tristeza.
 O poeta, ah, pobre do poeta;
 E na sua pobre dor de poeta
 O efêmero mundo vê beleza.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

The wolf under sheepskin?

Morreu semana passada um dos maiores gênios da atualidade, o guru da tecnologia e fundador da toda poderosa Apple, Steve Jobs. E digo, não pude esperar uma repercussão maior do que a repercussão que a morte dele conseguiu gerar. O criador do Iphone, Ipad, e há anos atrás, do Imac, revolucionou o modo de enxergar a tecnologia de todo o mundo. Poucos dias após sua morte, textos, vídeos e discursos começaram a pipocar na internet; pessoas que tinham seus produtos, mas não sabiam nem ao menos quem os fabricava, apareciam aos montes em luto. Estava feito; Steve Jobs era canonizado pela massa popular.

Um santo! Definitivamente Jobs operou milagres; revolucionou um mercado inteiro e tornou a Apple a empresa mais cara do mundo. E é justamente do termo “revolução” que eu quero tratar. Steve Jobs fez muito mais do que apenas criar apetrechos que mudassem nossa maneira de interagir com a tecnologia; ele levou a comodidade da internet para dentro dos nossos bolsos, e não só da internet; uma leva de aplicativos e jogos veio no pacote, a fim de mudar totalmente o conceito que as pessoas tinham da telefonia móvel.  Com a chegada do famigerado Ipad toda a genialidade de Steve Jobs foi consolidada; não só genialidade para a informática, mas também, para o marketing de vendas e propagandas; o casamento perfeito entre um bom inventor e um grande vendedor.  Porém, não foram apenas os seus produtos que Jobs vendeu. Esteve Jobs deu início a uma revolução consumista sem precedentes, que ditou e vai ditar por muito tempo o que é moda e o que já é defasado. Juntamente com a tecnologia de ponta de seus tablets vieram requisitos mais concretos e mais caros para você ser aceito na sociedade; muito mais do que aparelhos para lazer e comodidade, os produtos de Steve Jobs se tornaram a chave da popularidade em qualquer meio social. O tablet não impressiona tanto quando o logotipo que ele leva.  O mundo rendeu-se aos eletrônicos da Apple e elevou o capitalismo em decadência dos dias atuais a um novo patamar. Se antigamente celulares eram trocados depois de terminadas suas vidas úteis, hoje são trocados assim que um novo modelo seja lançado; pois, se o indivíduo não tem o celular atual, ele desce na hierarquia social do mundo globalizado. Toda a inventividade e competência de um visionário alimentam o ego e a alma de milhões e milhões de pessoas.

Não, Jobs não é o algoz de toda a superficialidade humana, tão pouco foi ele que instaurou o regime do “parecer ser” em nosso meio social. Talvez, ele também seja um fruto dessa cultura embaçada que vem de séculos e séculos atrás. O problema está na educação. A vida educa o homem com conceitos mal interpretados, e o ilude ao dizer que você é aceito apenas com a aquisição de um bem material. Tomemos como exemplo as revoltas que ocorreram na Inglaterra há um tempo. Insurreição popular? Sim! Protesto admirável, de uma fatia da população que era tratada de forma indigna e que resolveu mostrar a sua voz. Mas então, o que motivou algumas pessoas de dentro do protesto à saquear ipads, celulares e outros eletrônicos?

Steve Jobs foi um grande pensador, inventor e empreendedor da era contemporânea; um orgulho da humanidade. Um homem que apenas com aparelhinhos eletrônicos conseguiu reformular um mercado musical quase que inteiramente, facilitar a vida de milhões de pessoas e levar a humanidade a um novo patamar de consumo. Ele realçou a superficialidade social com uma tela touchscreen. Só um homem revolucionário, com uma mente maravilhosa e ideias inovadoras seria capaz de uma façanha como essa. Steve Jobs é, prematuramente, o homem mais influente dos séculos XX e XXI. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Sou louco por ti, América.


A América do norte é absolutista? Em teoria, não. Na prática, quase.  


Fazendo uma comparação histórica, Os Estados Unidos da América assemelham-se muito com a França da segunda metade do século XVIII. Endividado, com uma população insatisfeita e com um governante em maus lençóis, os EUA mal se recuperam de uma crise e já sentem o baque de outra crise maior ainda.


Depois da saída do “Rei Sol” americano do poder, em 2009, seu sucessor tem sofrido com uma economia mastigada pela “guerra contra o terrorismo” e pelo comercio bélico que virou o principal método comercial dos Estados Unidos no ultimo século.

Desde a Primeira Guerra Mundial a economia americana baseia-se em intervenções militares, como meio fácil de sagrar-se como a hegemonia mundial, porém, essa “tática” tornou-se defasada com o decorrer do século, e no inicio do novo milênio era evidente o quão ultrapassado era o sistema econômico dos Estados Unidos.

Como consequência desse parâmetro econômico seguido pelos EUA, sua economia afundou, alcançando um déficit de contas jamais visto antes, obrigando o atual Presidente norte-americano a tomar medidas bastante controversas. Explica-se já que “controversas” é apenas dentro do sistema governamental dos Estados Unidos, pois todos esperavam por medidas como acabar com a isenção de impostos para os milionários há muito tempo.

Os republicanos, porém, dificilmente aceitarão a medida, alegando que não é aceitável aumentar impostos em época de recuperação econômica. Resta agora saber se a América fechará seu supermercado da guerra e deixará de vez qualquer preceito monárquico, ou se será necessária uma “tomada do pentágono” para que o país entre de volta nos eixos. 

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Poeminha simples.



Prometi estrelas 
para a minha amada,
preciosidade na
medida das nossas
alianças. E fui à busca.

Porém o trabalho,
as observações
e pesquisas,
os estudos.
Ah, a astronomia.
Essa burocracia toda
me deixou enfarado, 
com preguiça.
Dei flores a ela.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Aos modernistas e aos elefantes.


Brancos brancos elefantes
Imigram para sua Europa.
E migram todos os dias,
Emigrantes de outros tempos
Que emigram de seus sonhos
Errantes. Demais imigrantes
 passearam como dantes.
Não se importam com o Estado,
Tão pouco com as correntes
Migratórias e aleatórias.
Pulsantes e extravagantes
exigindo moratórias.
Emigram  de muito longe
Imigrarão o quanto antes
Só migram, os elefantes.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Poética alheia IV

20 anos recolhidos




chegou a hora de amar desesperadamente
                                                   apaixonadamente
                                                   descontroladamente
chegou a hora de mudar o vestido
                             de mudar o estilo
chegou atrasada como um trem atrasado
mas que chega

- Chacal -

domingo, 17 de julho de 2011

"Sombreador"

Maria quando se vê no reflexo, elevador.
José trabalha na fábrica
Tem 30 minutos de almoço
Seu filho tem aulas de vôlei, levantador.
Maria da autoestima, embaixador.
Ela não acredita no matrimonio
Não acredita em hormônios
Acredita no trabalho, lavrador .
José não acredita no trabalho
Acredita no salário, trabalhador.
José e Maria, em casa
Quase todo dia, com trabalho
Sem família.
E no domingo quente, dos afazeres individuais,
VENTILADOR.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Acerca do "ir e vir"

Veja só como é engraçada essa cultura de desencontros.
São lábios pra cá
E rostos pra lá
É sensação de ser brinquedo
De fingir que não entende nada
Vai lá pensar no cúmulo, vai ser bobo
Volta perguntando “por quê?” “até quando?”
Não cansa de  achar que é brincadeira.
Não cansa de pensar estar cansado
Não cansa de se cansar
Não pensa em continuar
Cansa da desconversa
Cansa de ir e voltar
Cansa, Cansado de promessa

sábado, 9 de julho de 2011

Poética alheia III

A língua girava no céu da boca

A língua girava no céu da boca. Girava! Eram duas bocas, no céu único.

O sexo desprendera-se de sua fundação, errante imprimia-nos seus traços de cobre. Eu, ela, elaeu.

Os dois nos movíamos possuídos, trespassados, eleu. A posse não resultava de ação e doação, nem nos somava. Consumia-nos em piscina de aniquilamento. Soltos, fálus e vulva no espaço cristalino, vulva e fálus em fogo, em núpcia, emancipados de nós.

A custo nossos corpos, içados do gelatinoso jazigo, se restituíram à consciência. O sexo reintegrou-se. A vida repontou: a vida menor.


- Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A carta

Fiquei de mandar essa carta há meses atrás, porem me sucederam inúmeros imprevistos e acabei adiando mais do que devia. Deve você pensar que me acidentei, ou que acabei por desistir de me comunicar com você de vez. Mas não. E peço-lhe perdão se fiz mal a sua autoestima.

Aqui ainda é aquela turbulência. Os mesmos relatórios e o mesmo programa a noite. Confesso invejar você, que tem a vantagem de nunca revelar paradeiros. Talvez seja isso que eu inveje, o “não dar satisfações”.


Eu andei ocupado por um tempo devido aos balanços da firma, aos escândalos da prima, a dificuldade da rima, e a meu notável déficit de responsabilidade para com minhas muitas promessas. Esforço-me às vezes – como agora, por exemplo – as cumprindo. Com certo atraso.

Passei uns dias introspectivo. Pensando no que deveria escrever aqui, isso contribuiu muito com a minha demora. Não que eu queria estar omitindo a culpa, seria um paradoxo. Cogitei por tempos em te mandar um resumo em tópicos cronologicamente organizados. Mas você sabe, tenho dificuldade com datas. E ainda mais, seria deveras formal. Tentei escrever um poema de saudade, mas esse não me satisfez.  Aí pensei em reviver memórias e bons momentos. Mas a escassez de conteúdo me desanimou por completo. Devo ser sincero, não passamos o que se poderia chamar muitos de momentos felizes. E eu não escreveria uma carta de um parágrafo.  Ambos sabemos, não é segredo. Diria sobre a tarde na ponte. O jantar pós-formatura, uma ou duas tardes de ócio e mais o quê?

De certo queria ter aproveitado melhor nosso tempo. Mais abraços. Mais silencio. Quem sabe poderíamos ter nos entendido melhor. Ter escolhido o suspense ao drama. Mas então é que somos o que somos. E não fomos sábios com escolhas.

Um colega de trabalho nosso perguntou de você umas semanas atrás. Parecia ansioso. Fui esguio - que coisa feia essa de esquecer-se de buscar notícias para depois ouvir “e a saudade, está no bolso?” e coisas similares. Agora ao menos posso dizer que estou esperando respostas, o que é menos constrangedor.

Mandam abraços o seu ex-professor de psicologia - a quem culparei eternamente pela sua dificuldade em ser clara -; aquele seu ex-namorado do bar dos estudantes; a sua mãe, é lógico; e a sua empregada. Pediram se por gentileza você possa mandar cartões postais de onde estiver. Para terem pelo menos uma vaga ideia dos lugares que você está visitando.

O que deveria ser dito foi. Um pouco do que não deveria também. Mas que, porém, contribuiu para o volume da carta. Esperamos você para as próximas chuvas. Beijos de dois anos.

Obs: Está indo aí aquela sua crítica sobre evasão feita no colegial. Aproveite.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O contista mal contado.

Havia um homem da cidade grande, que respirava a rotina das megacidades, que almoçava a pressa das avenidas e que não tinha tempo para fazer a digestão.  Trabalhava não sei onde, para não sei quem. Não sei a que horas entrava. Mas não saía. Era homem jovem, com a face dos muitos outros jovens da cidade grande. Havia lá uns amigos aqui e ali. Todos dentro do sistema, ponteiros do relógio, precisos.

Pois que esse homem tinha casa. Não tinha mulher, tão pouco, filhos. Tinha lá sua máquina de escrever e a pressa de registrar um conto que o tirasse do seu trabalho e o jogasse em uma cadeira na editoria de qualquer jornal de metrópole. Um conto que mostrasse a disseminação dos mundos num lugar em comum. Que unisse mar e terra. Oriente e ocidente. Um romance étnico. Ou um épico moderno. Uma viagem pelo mundo, atrás do autoconhecimento.

Mas tudo o que ele escrevia eram primeiras frases. E depois escrevia em si mesmo uma frustração descomunal.  Sem conto, o contista desistia, fazia um café e trabalhava em casa. No meio do trabalho, às vezes, vinha a ele uma ideia. Ele cessava qualquer movimento. Esperava ela tomar forma para então correr até a escrivaninha. Não aprendeu ainda que as ideias correm mais rápido que ele. Correm dele - Não se sabe o quanto alcança uma ideia, mas até mesmo dentro dos mais rápidos trens-bala você não é capaz de alcança-la.

 Não sei se tomava café da manhã, tomava café. Tomava um porre. Tomava o que fosse, pois tinha pressa. A cidade não é a mesma toda hora. As avenidas mudam, os edifícios pulam de bairro em bairro. Sendo assim não há tempo de escolher. Ele corre para o ponto, do ponto para o trabalho.

Trabalhava num tal edifício. Emprego não se sabe. Colegas tinha, e eram muitos.  Era infeliz no trabalho, como talvez fosse infeliz em casa também. Na rua não era. Na rua é tudo rápido demais, não há tempo para caprichos como a infelicidade.

No almoço ele ia para um restaurante próximo, e começava a escrever.  Escrevia e apagava. Não se sabe o que há com esse homem. Talvez bloqueio de escritor, de empregado, de civil... O incógnito volta para o trabalho e passa sua tarde infeliz. Rotina.

Acordou um dia desses e não foi tomar o café. Não se embriagou, não comeu, nem nada. Fez tudo com uma lentidão incomum e interiorana. Após se vestir. Foi até o quarto onde estava a sua máquina de escrever. Finalmente veio a inspiração! Já era hora de começar seu conto e ter sucesso. Pela primeira vez alcançou um parágrafo. Aliás, conseguiu o começo, meio e fim!

Tudo aconteceu rápido, faltou ao seu trabalho e passou o dia a criar. Não recebeu ligação, nem coisa do gênero. Chegada à noite, ele concluiu sua arte e imediatamente mandou para o jornal. Carreira de cronista ao menos ele esperava. Estava ciente de que a mudança chegara.

E então que no dia seguinte ele acorda com pressa. Toma seu café, ou não sei o que. Corre para o trabalho. Almoça. Volta ao trabalho. Vai para a casa. E trabalha.

Um epílogo para isso não era nem ao menos necessário. Todos sabem como é a metrópole. Sabem também que após o seu dia de escritor, nada mais aconteceu. E foi sendo repetida a rotina metódica do contista. E foi repetindo a pressa, repetindo a rua, a infelicidade.

domingo, 19 de junho de 2011

O primeiro primo.

E o que o pobre primo queria? Queria vê-la procura-lo! Desejava que ela desse sua falta. Esperava uma carta, telefonema, qualquer coisa que demonstrasse sua importância. Necessidade de presença. Era o teste derradeiro, se ele era realmente amado, receberia um sinal. E isso não era de tudo orgulho. Era também uma insegurança e um medo de não ser lembrado que o esmagava com o passar dos minutos.

Convém contar que ele se sentiria patético a telefonando. Se ela não dava importância, porque dar ele? E ele dava, na verdade, mas ninguém precisa saber desses detalhes. Ele só queria provar para mim que ele tinha uma namorada, e mais do que para mim, ele esperava provar para ele também!  Eu, mantendo minha rotina até então, não percebia o exibicionismo escondido na espera de meu primo.

E antes fossem apenas minutos, mas eles se somavam, e ficava mais cômodo transcrevê-los em horas. Meu primo, impaciente e disciplinado sofria quieto à mesa. Seus dedos mostravam a notável esperança e pressa, sede de ver um sinal, por menor que fosse!  Mexiam-se sem pausa, com um ritmo de impaciência e medo.

Pensei em lhe mandar uma mensagem de texto com o número bloqueado para aliviar a dor do silencio que acometera o coitado. Acabava de me perceber sensibilizado com o sofrimento alheio. Mas, porém, tinha também esperança de ouvir a tão detestada por todos nessa casa melodia do telefone. Ou melhor, poderia tocar a campainha! Imagine a alegria, ela vir pessoalmente mostrar que se importa com esse meu familiar inseguro! Viria afobada e diria nas mais doces palavras que não aguentara ficar distante de seu tão amigo e carinhoso rapaz, que resolvera ir vê-lo pessoalmente. Que se sentia acabada a cada minuto de silencio de seu telefone celular, e que precisava vê-lo para ter paz. E o orgulho do primo? Era tudo que ele precisa. Seria plenamente homem, e amado. Alguém por fim!

Dão-se então quinze para a meia noite. Via-me curioso, sem o anseio de me repousar. Somei minhas esperanças às dele. Soma que resulta em numero negativo. Pois toca o telefone, e movido por uma felicidade que tinha o deixado há horas ele pula instintivamente para cima desse. Passa-se um minuto de “uhm” “ah” “tá” e ele, completamente derrotado, com o orgulho ferido nos órgãos vitais, coloca o veículo de comunicação no gancho e senta-se a mesa novamente.

Quietíssimo, acabara de receber uma ligação de minha mãe, que o mandara avisar que eu iria embora amanhã pela manhã. Ele, com meia dúzia de palavras meio mortas repassa-me a mensagem e pousa a cabeça sobre os braços cruzados. Ela não o ama. Nem ao menos o ligou.

O primo, pobre primo! Desistira agora de toda a esperança restante. Desistira até da esperança que eu depositei nesse impasse. Decide dormir. Sei que na verdade, desejara ele dormir para sempre, entrar em coma profundo, não para fugir, mas para punir essa namorada ingrata com seu silencio. Coisa que não aconteceu. Pois no outro dia, ele teve de acordar. 

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Caso Quixote.

Em uma das minhas andanças da vida, conheci, assim, de vista, um rapazote novo. Que vivia às imediações de biblioteca da faculdade.  Eu, já velho, trabalhava como auxiliar na mesma biblioteca. E gabo-me por saber a localização de cada livro e revista de lá. Não que tenha lido, nunca tive o hábito. Já me arrisquei com umas obras clássicas, mas foi há tempos.

Abro a biblioteca às oito horas da manhã, e fecho-a as dez horas da noite.  E a partir do período da tarde, esse rapaz que citei aparece por lá, e fica. Fica. Fica por tempos, passeando pelo perímetro das prateleiras, como se fosse ele o auxiliar. Nunca me pedira uma só ajuda. Aliás, raras as vezes que o via sair com algum livro.

Não sei há quanto tempo frequenta, dei conta que ele aparecia lá todo dia no segundo trimestre da faculdade, talvez seja freguês de longa data que não se fazia presente. Ele era discreto, franzino. O cabelo castanho acabava no pescoço. Devia medir um metro e setenta centímetros. Usava uns óculos de designer, o que dava um charme para aquela pessoinha retraída e sutil que era ele. Sabia não ser percebido. Dias pensava tê-lo trancado dentro da biblioteca. E voltava na dúvida. Abria a porta e ninguém.  Me perguntava quando tivera saído, mas era inútil. Ele desaparecia. Detentor do verdadeiro dom da sutileza.

Ele chegava por volta das treze horas e meia. E começava a caminhar pelos corredores de prateleiras. Sentia os livros. Cheirava-os. Conversava intimamente com os livros. Compartilhava informações e experiências. Isso devido a cochichar rente a uma parte da segunda prateleira. Todos os dias, ele parava naquela extremidade, e lá ficava. Por horas, todos os dias. Lá estava. Lá! Estava lá o livro. Seu amante livro. Dom Quixote era o alvo de todo o fascínio do rapaz. Era o confidente dele. Seu psicólogo. Seu psicoterapeuta. O rapaz ficava lá no namoro todos os dias, por horas e curiosamente, nunca pegara o livro. Quando a biblioteca ficava mais movimentada, ele ia até a divisão da prateleira, e guardava o livro com zelo sem tamanho. Todos que passavam por lá, eram perseguidos pelo olhar penetrante e intimidador do rapaz. Puro ciúme!  Olhava os livros dos colegas para garantir que seu futuro passatempo literário não seria tomado.

Certo dia. Final da semana já. Estava sentado à mesa à folhear uma revista, quando  o vi. Sim, tocando em seu livro mágico. Momento de euforia. Era o nervosismo pré-sim dos casamentos. Ele com dois dedos, trêmulo e inclinando o livro para a diagonal, em sua direção. Era agora. Ele ia locar o livro e lê-lo. Pena. O devolveu rapidamente e ficou a fita-lo. Ele apenas olhava. Com certa vergonha.

Passado o fim de semana, lá estava ele. Seguindo a rígida rotina. Cada vez com mais intensidade. Sempre esperando o dia certo. O dia em que pegaria seu livro, o leria, e seria plenamente feliz em suas vontades. Todos da biblioteca se acostumaram com a cerimônia, os frequentadores nem procuravam mais o tal de Dom Quixote. O caminho estava livre, era agora só ele e o Quixote. Ele e os gigantes. Ele e Sancho.  Mas ainda sim, o inexplicável o impedia. Nada podia tirar o livro de seu altar. Era Deus e seu trono.

E acabou o ano letivo, chegou a minha aposentadoria e passei a viver de ócio. Ócio tanto que dei de escrever algumas reminiscências curiosas. Reminiscências engraçadas do ponto de vista filosófico. O caso do livro é uma questão difícil. Mais do que difícil. É metafísica.  Como a loucura de Dom Quixote de La Mancha, que é transmitida por não-sei-o-que para alguns frágeis leitores e amantes. É o canto da sereia.

quinta-feira, 24 de março de 2011

As flores novas.

Démodé, essa história de amar. Não digo que seja feio, ou ruim. Não, não... Longe de mim tal declaração hipócrita. Bonito é! E bom... Bom, não posso garantir que é de todas às vezes. Nunca se sabe quando o acaso resolve deixar de ter preguiça, e tornar o enredo mais dramático. Quem sabe até trágico. É questão de criatividade.

Acontece que cá aqui, com esse jovem idoso que sou. Auge dos vinte e dois, ou vinte e três anos – esqueço-me qual idade devo atribuir a mim, esses anos passam que nem percebemos – sinto-me aos setenta, com algumas dores aqui e acolá. Não só dores, mas dores! Coisa que não vem ao caso agora, tão pouco virá posteriormente.

Mas de longe eu gostaria de falar de mim. Não pelo menos, hoje.  Gostaria apenas de compartilhar com o leitor que por aqui – por tédio – passa o que vi, dias atrás numa praça pública enquanto alimentava pombas – E quem ultimamente as alimenta, pobrezinhas, andam todas abandonadas, tratadas como espúrio.

Ia jogando aos poucos pipocas às pombas. Quando logo a minha frente, passa um casal. Casal igual aos que via antes, aos que verei amanhã, e depois – Ou talvez não mais. A idade já me pesa, e conformado ando com essa realidade do óbito. Antes que me esqueça de continuar, retomarei o foco. Vi o casal que não me interessou em nada. Até ver que passavam demasiadas vezes, cada vez, com aura diferente. Aura diferente não. Homem diferente.

Aquela namorada abismara-me. Namorada de um, cabo de horas, namorada de outro. E então, cabo de minutos, namorada do anterior, novamente. E eles, não davam conta. Ou fingiam não dar – E porque dar conta, tão bela era a moça, que eu permitiria tal humilhação apenas para te-la, mesmo que não fosse apenas minha. Mesmo que tivesse que me morder de ciúmes, quieto. Agiam como se fossem o primeiro e único, talvez sem saber do segundo, terceiro, quarto e mais sem-numero deles.

Espanta-me a genialidade feminina. Inclusive dessa perola que me passava de hora em hora. A cada vez, a mulher mudava com o cônjugue. Fisicamente não, elementar. Mas os ares... Ah, os ares eram outros! Invejei os desentendidos por alguns momentos, logo após me conformei.  E a moça que lá passava, davam-lhes carícias plenas, obcenas. Desdobrava-se em heterônimas talvez, mas com tal maestria que ficava evidente a superioridade de Vênus sobre nós.  Muito mais que discreta, ela era dissimulada, e cativante – Tenho aqui que não tenha sido obra do Diabo, mesmo podendo ser, tão pouco obra de Deus, essas mulheres são frutos de um acaso minucioso que de milênio em milênio, resolve fazer ao sabor – dele próprio – do acaso uma combinação perfeita e complexa.

Chegou à noitinha, e a moça que continuava a desfilar com seus inúmeros rapazes preferiu se retirar. Deixando apenas a vaga conclusão de que não ama em sua inovação, mas ama a inovação em si. E eu, velho caduco da pouca idade, concordei. Esse amor que todos divulgam nos comerciais, anda mesmo fora de moda. E mais, na próxima taça de vinho que tomar, lembrarei-me da moça. Idealizada, perfeita e moderna - diferente de todo esse amor das cartas.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Poética alheia II

Nas minhas leituras diárias, descobri um poema do Grande Quintana que me pôs à refletir. E para quem gosta de falar de esperança, é um prato cheio. É o prato do dia!


Esperança


Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

- Mário Quintana -

Romeu e os impostos.

A vida de consumidor está ficando cada vez mais difícil. O país está estreitando nossas relações comerciais mais ínfimas. Fui comprar amor e voltei assim, decepcionado com a burocracia a que estamos sujeitos a enfrentar.

Meu dia começou simples. Acordei, fui ao banheiro e me analisei diante do espelho – Quando acordo, me sinto radiante. Nessa análise cheguei à conclusão de que alguém na situação que estava diante de um espelho definitivamente precisava de um amor.  Então, como bom cidadão fui às compras.

As vias públicas andam congestionadas de pedestres. Uma semana de natal fora de época – O que me faz crer que, ou os impostos abaixaram, ou todos procuram o mesmo que eu.  Andando por dez minutos começo a perceber que terei um dia de cão. E isso deve-se ao fato de eu não saber onde se encontrava a “Filoteca”e por perceber que as horas demorariam à passar  - Até porque, fazia um dia lindo, ameno, ensolarado, pedindo para ser aproveitado junto à sombra de uma arvore, lendo um bom livro.

Ando muito, em voltas, pra cima, pra baixo, corro até achar – finalmente – a tal loja. Loja que estava com uma fila imensa, jamais vista, sem fim! E a minha suspeita improvável se mostra real e presente. Todos apelam para o comércio. Essa gente de agora, que tem família, amigos e animais de estimação não se contentam com a companhia e amor que tem. Querem algo mais. Senão uma porção de amor, um amor que seja como eles idealizam. Amores da altura que quiserem com a voz mais agradável escolherem. E eu, velho quarentão, sozinho no mundo apenas com uma casa, queria um amor para desfrutar da outra metade da fruta que me resta. Poderia ser um cão, não me importo. Tem horas em que a mera companhia de uma criatura irracional nos conforta. Não queremos mais intelecto, queremos carinho.

A fila enorme nunca acabava, e eu já começava a exibir sinais de fraquejo – “Afinal, a solidão não é tão ruim assim...” Passando-se um par de horas, consegui adentrar o estabelecimento. Lá dentro, havia filas e guichês. A frustração foi iminente. Não estava obstinado, obstinação não existe fora do contexto heroico de alguns contos.  Adentrei a fila que me correspondia e lá esperei. Em questão de uma hora, já estava no guichê. É então que começa, com a –nada- simpática atendente.

- Boa tarde, posso ajudá-lo?

- Pode sim, gostaria de comprar um amor. Sabe né, companhia...

- Ah sim, trouxe RG?

- RG? Precisava?

- Sim, precisava. O senhor trouxe?

- Sim, sim. Sempre o carrego na carteira.

- Falando em carteira, e a sua carteira de motorista está aí?

Reagi com espanto agora. Afinal, para quê? Por fim, respondi:

- Está! Mais alguma coisa?

- Para falar a verdade, sim. Gostaria de um comprovante de residência, lista de antecedentes criminais, exames de sangue, certidão de nascimento, certidão de casamento – se tiver – e...

- Como?! Calma, eu não tenho todos esses documentos comigo!

- Chamo o próximo, então?

- Minuto. Só uma dúvida.

A atendente do guichê deixa agora visível sua má vontade expressa na face. Tem pressa para chegar ao término do dialogo:

- Qual?

- E o preço? Qual é?

- Com base nos seus documentos, nós analisaremos sua condição, e mandaremos para aprovação. Caso seja aprovado, pagará impostos mensais sobre o que receber. Mais, as eventuais manutenções. E o frete da encomenda fica incluso.

- E isso demora?

- Média de seis meses.

- Entendo, desculpe o incômodo!

Saí do estabelecimento pasmo, foi o ápice! E confesso ainda estar enquanto escrevo. A vida do consumidor está ficando triste. E mais triste é o antagonismo da burocracia governamental desse país, onde até a compra de amor, se torna um amor impossível.

Voltei para casa sem amor e sem paciência. Como todo cidadão volta. Todo dia.

domingo, 20 de março de 2011

Poética alheia I

Estava eu a ler uma antologia poética do Casimiro de Abreu quando, por insistência da face sensível eu re-li um poema com certa intensidade. Depois da terceira vez lida, reconheci que era bonito demais para que apenas eu pudesse desfrutar. Então, resolvi dedicar um espaço aqui para as poesias. 


Moreninha


Moreninha, Moreninha,
Tu és do campo a rainha,
Tu és senhora de mim;
Tu matas todos d'amores,
Faceira, vendendo as flores
Que colhes no teu jardim.

Quando tu passas n'aldeia
Diz o povo à boca cheia:
- "Mulher mais linda não há
"Ai! vejam como é bonita
"Co'as tranças presas na fita,
"Co'as flores no samburá! -

Tu és meiga, és inocente
Como a rola que contente
Voa e folga no rosal;
Envolta nas simples galas,
Na voz, no riso, nas falas,
Morena - não tens rival!

Tu, ontem, vinhas do monte
E paraste ao pé da fonte
À fresca sombra do til;
Regando as flores, sozinha,
Nem tu sabes, Moreninha,
O quanto achei-te gentil!

Depois segui-te calado
Como o pássaro esfaimado
Vai seguindo a juriti;
Mas tão pura ias brincando,
Pelas pedrinhas saltando,
Que eu tive pena de ti!

E disse então: - Moreninha,
Se um dia tu fores minha,
Que amor, que amor não terás!
Eu dou-te noites de rosas
Cantando canções formosas
Ao som dos meus ternos ais.

Morena, minha sereia,
Tu és a rosa da aldeia,
Mulher mais linda não há;
Ninguém t'iguala ou t'imita
Co'as tranças presas na fita,
Co'as flores no samburá!

Tu és a deusa da praça,
E todo o homem que passa
Apenas viu-te... parou!
Segue depois seu caminho
Mas vai calado e sozinho
Porque sua alma ficou!

Tu és bela, Moreninha,
Sentada em tua banquinha
Cercada de todos nós;
Rufando alegre o pandeiro,
Como a ave no espinheiro
Tu soltas também a voz:

- "Oh quem me compra estas flores?
"São lindas como os amores,
"Tão belas não há assim;
"Foram banhadas de orvalho,
"São flores do meu serralho,
"Colhi-as no meu jardim." -

Morena, minha Morena,
És bela, mas não tens pena
De quem morre de paixão!
- Tu vendes flores singelas
E guardas as flores belas,
As rosas do coração?!...

Moreninha, Moreninha,
Tu és das belas rainha,
Mas nos amores és má
- Como tu ficas bonita
Co'as tranças presas na fita,
Co'as flores no samburá!

Eu disse então: - "Meus amores,
"Deixa mirar tuas flores,
"Deixa perfumes sentir!"
Mas naquele doce enleio,
Em vez das flores, no seio,
No seio te fui bulir!

Como nuvem desmaiada
Se tinge de madrugada
Ao doce albor da manhã
Assim ficaste, querida,
A face em pejo acendida,
Vermelha como a romã!

Tu fugiste, feiticeira,
E decerto mais ligeira
Qualquer gazela não é;
Tu ias de saia curta...
Saltando a moita de murta
Mostraste, mostraste o pé!

Ai! Morena, ai! meus amores,
Eu quero comprar-te as flores,
Mas dá-me um beijo também;
Que importam rosas do prado
Sem o sorriso engraçado
Que a tua boquinha tem?...

Apenas vi-te, sereia,
Chamei-te - rosa da aldeia -
Como mais linda não há.
- Jesus! Como eras bonita
Co'as tranças presas na fita,
Co'as flores no samburá!

 -  Casimiro de Abreu -

Fantasmas sem ópera, nem blues...

Onde já se viu eu me narrar em terceira pessoa estando na verdade em primeira?

"Pois bem, agora ele está se narrando em terceira pessoa, como prometido. E ele está a confessar seus pecados. Porém está a justifica-los também. Pobre dele, que era atormentado pelas suas excentricidades - excentricidade coletiva, vale ressaltar. A verdade? As letras o atormentavam. Toda noite, em toda leitura elas estavam lá, fantasmas que não concordavam com o presente.
 Assim, os dias passavam. A tormenta não. E passou-se a vontade de conviver com as letras devido à tormenta.  Pois que a angustia aumentou e ele se desvencilhou das letras, resolveu ir a uma sessão de descarrego e despachar esse fantasma pseudo-literário. Eis que despachou. Sem arrependimentos."

A cada passo dado o homem despreza o passo anterior, é inato. Errado? Também. Considere natural o fato de o nosso narrador desprezar seus arquivos do passado como o ser humano em geral. O ontem não tem tanta qualidade quanto o hoje, e a cada dia que passa perece mais. E perece tanto, que acaba se metamorfoseando em um Elefante branco.  Um elefante branco de coleiras brancas. Um elefante que não cabe em sua casa, tão pouco em seu presente.

As letras antigas com quem ele não concordava mais cederam lugar ao alfabeto novo. Que vai se desgastar e perecer, esteja certo. Porém, esse será atual. Transição do bom para o bom.

Ele saúda o novo. Eu saúdo junto. Eu e ele. Ele e ele.