"Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer"
Graciliano Ramos

segunda-feira, 23 de abril de 2012

A dedicatória.

Herivelto era só.
Trabalhava só, comia só, vivia. 
Herivelto lia,
Mas era só. 
Nunca ganhara um presente. Coitado,
Era só...
Numa tarde de maio veio até Herivelto
Uma ideia:
Presentearia a si com um livro. 
Presenteou-se!
Não foi aquilo que esperava,
Faltava algo. Faltava algo 
importante. 
Herivelto passou dias pensando. Não descobriu.
Frustado, Herivelto acabou tomando 
Coca-cola com cianeto de potássio. 


Mas que bobo é esse Herivelto, 
Esqueceu da dedicatória.

domingo, 8 de abril de 2012

Sacola.

A vida era mais prática
no tempo em que havia
sacolas nos supermercados.
Agora a vida é uma tormenta. Comer ficou difícil,
assim como ficou difícil voltar pra casa.
Para onde foram minhas sacolas?
Não falam mais comigo;
não deixaram carta de despedida;
nem mesmo um recado na geladeira
Cansaram-se desse mundo mundano,
bicho-papão;
foram para Cuba, viver.
Ah, que aperto no coração
me dá saber
que não há mais sacolas nos supermercados.
Sacola, minha querida,
Volte...

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Porcos-com-asas.

Leônidas era só aborrecimento. Jovem ainda, agia como um ranzinza sexagenário, desses que desistiram da vida sem nem ao menos sabê-la. Era conhecido, tinha amigos e capital. Nunca visto só, Leônidas tinha sua infelicidade assistida por intelectuais, esportistas e proletários. Aborrecia-se de tudo; principalmente de suas posses. Não havia coisa que já não o tivesse entediado. Entediava-se do que tinha e entediava-se do que os outros tinham, não havia solução.

Pois levantou-se esses dias com uma ideia fixa. E telefonou para um amigo próximo:

                - Ô Pasquim, você tá ocupado?

                - Ã? Quem é quem fala?

                - Mas é o Leônidas! Estou com uma ideia, mas preciso de alguém que saiba de animais.

                - Ah, Leo! Faz assim, almoçamos juntos!

Foram ao restaurante e Leônidas expôs sua ideia. Queria criar um porco-com-asas. Um porco com asas! Pasquim ficou estupefato; não existem porcos-com-asas. Suspeitou que fosse brincadeira, ao ver que não, desabafou: "Está louco."

Para Leônidas um porco-com-asas era a única coisa que o faria feliz! Era único, e mais, metafísico! Pasquim desatou a rir; de fato não havia mesmo porco-com-asas. Mas ao  ver resistência de Leônidas, resolveu lhe indicar alguns homens mais estudados, para ver se tinha paz. E indicou. E lá foi Leônidas procurar seu porco alado pra criar 

"Não!" Foi o que encontrou. Não havia mesmo porco-com-asas nenhum. "Mas onde já se viu um louco desse?" pensava um biólogo indicado pelo Pasquim. Outro, expulsou Leo em meio a uma crise de risos. A felicidade não estava nem aí para Leônidas mesmo, mas esse não desistia! Não podia ser cachorro, gato ou tartaruga, havia de ter um porco-com-asas. E pesquisou, sozinho é claro. Soube de um lugar no Tibet, tão metafísico quanto seu porco. Diziam haver lá criaturas parecidíssimas com o que o pensamento de Leônidas definira como "porco-com-asas".

Mês depois partia ele para o Tibet! E mais mês depois voltava ele! Encontrou um paraíso em terra, lugar onde homem nenhum já mais colocou os profanos pés. Viu novos animais, cachoeiras cujo sentido da água era justamente para cima, monstros marinhos e pequenos homens verdes que diziam ser de um planeta vermelho e que estavam lá para estudar. Viu também porcos-com-asas! Voavam sobre as montanhas e árvores, e com sua pele rosadinha, seus rabinhos enroladinhos e suas asas de arcanjo, faziam sons característicos dos porcos muito acima dos arranha-céus. E o problema está aí: Os porcos-com-asas existiam. Existiam mesmo!

Leônidas entediou-se deles e voltou pra casa com as mãos vazias.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Ao Eça.

Acordou certo dia e exclamou: " Não sou feliz na cidade,
Vou pras serras!"
E foi mesmo.
Voltou semanas depois, ainda infeliz.
Infeliz na cidade
E Infeliz na serra.
Ô seu Eça, que grã-ventura?
Ventura não há.