Na minha cozinha há uma porta que nunca para; hora aberta; hora fechada. É um horror. Eu, particularmente, sempre a fecho. Porém, esses dias, ao me ver fechá-la, minha mãe protestou.
- Mas que saco, como você é chato, Pedro! Deixe a droga da porta aberta, ninguém aguenta esse calor.
- Mas mãe...
O protesto metamorfoseou-se em ordem, e depois proclamação... Cedi. Ficou a porta aberta pelo resto do dia. Não me conformei, é fato; cedi, pois forças ocultas me impediam de continuar (Sei bem como é, Jânio). Mas ao olhar a porta aberta, e ver toda a luz que de fora entrava, pensei com meus botões: Pra que serve a porta?
Duvida cruel. Não sei da origem da porta, nem tive o ânimo de descobrir; não sei seus feitos históricos, não sei quem a popularizou, nadinha disso. Apenas sei que ela abre e fecha; Esconde o casal de namorados, mostra a o jardim do palacete, e é a moldura preferida das casas de praia. Machado descrevia as almas como se fossem casas; a de Bentinho tinha portas frouxas; ah se Bentinho tivesse uma fechadura; Ia-se embora uma grande obra. Conclusão que prova o óbvio: São bem vindas as portas abertas na arte.
Há, porém, pessoas como eu, que acreditam na utilidade da porta fechada. Se houvessem mais delas trancadas, quem sabe não nos habituaríamos a nos levantar para abri-las? Portas sempre abertas não despertam o nosso sentimento de incômodo com a luz que não entra na sala, ou com o calor que faz na cozinha. Ela fechada é o primeiro passo para a porta aberta, o resto depende de quem a confronta. São atrás das fechaduras que vivem as surpresas, as portas abertas são alvos fáceis para os preguiçosos. Divagando sobre portas, portões e portinholas, recordo que a Fernanda de García Márquez dizia que as essas foram feitas apenas para se fechar; concluo e fecho a porta da cozinha.
Peço perdão pela desobediência, mas outra Fernanda (essa minha mãe) não é fruto de um Nobel de Literatura.