"Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer"
Graciliano Ramos

quinta-feira, 24 de março de 2011

As flores novas.

Démodé, essa história de amar. Não digo que seja feio, ou ruim. Não, não... Longe de mim tal declaração hipócrita. Bonito é! E bom... Bom, não posso garantir que é de todas às vezes. Nunca se sabe quando o acaso resolve deixar de ter preguiça, e tornar o enredo mais dramático. Quem sabe até trágico. É questão de criatividade.

Acontece que cá aqui, com esse jovem idoso que sou. Auge dos vinte e dois, ou vinte e três anos – esqueço-me qual idade devo atribuir a mim, esses anos passam que nem percebemos – sinto-me aos setenta, com algumas dores aqui e acolá. Não só dores, mas dores! Coisa que não vem ao caso agora, tão pouco virá posteriormente.

Mas de longe eu gostaria de falar de mim. Não pelo menos, hoje.  Gostaria apenas de compartilhar com o leitor que por aqui – por tédio – passa o que vi, dias atrás numa praça pública enquanto alimentava pombas – E quem ultimamente as alimenta, pobrezinhas, andam todas abandonadas, tratadas como espúrio.

Ia jogando aos poucos pipocas às pombas. Quando logo a minha frente, passa um casal. Casal igual aos que via antes, aos que verei amanhã, e depois – Ou talvez não mais. A idade já me pesa, e conformado ando com essa realidade do óbito. Antes que me esqueça de continuar, retomarei o foco. Vi o casal que não me interessou em nada. Até ver que passavam demasiadas vezes, cada vez, com aura diferente. Aura diferente não. Homem diferente.

Aquela namorada abismara-me. Namorada de um, cabo de horas, namorada de outro. E então, cabo de minutos, namorada do anterior, novamente. E eles, não davam conta. Ou fingiam não dar – E porque dar conta, tão bela era a moça, que eu permitiria tal humilhação apenas para te-la, mesmo que não fosse apenas minha. Mesmo que tivesse que me morder de ciúmes, quieto. Agiam como se fossem o primeiro e único, talvez sem saber do segundo, terceiro, quarto e mais sem-numero deles.

Espanta-me a genialidade feminina. Inclusive dessa perola que me passava de hora em hora. A cada vez, a mulher mudava com o cônjugue. Fisicamente não, elementar. Mas os ares... Ah, os ares eram outros! Invejei os desentendidos por alguns momentos, logo após me conformei.  E a moça que lá passava, davam-lhes carícias plenas, obcenas. Desdobrava-se em heterônimas talvez, mas com tal maestria que ficava evidente a superioridade de Vênus sobre nós.  Muito mais que discreta, ela era dissimulada, e cativante – Tenho aqui que não tenha sido obra do Diabo, mesmo podendo ser, tão pouco obra de Deus, essas mulheres são frutos de um acaso minucioso que de milênio em milênio, resolve fazer ao sabor – dele próprio – do acaso uma combinação perfeita e complexa.

Chegou à noitinha, e a moça que continuava a desfilar com seus inúmeros rapazes preferiu se retirar. Deixando apenas a vaga conclusão de que não ama em sua inovação, mas ama a inovação em si. E eu, velho caduco da pouca idade, concordei. Esse amor que todos divulgam nos comerciais, anda mesmo fora de moda. E mais, na próxima taça de vinho que tomar, lembrarei-me da moça. Idealizada, perfeita e moderna - diferente de todo esse amor das cartas.

Um comentário:

  1. Como sempre, Pê, adoros seus textos!
    Muito bom mesmo.
    Adorei a forma como detalhou tudo. Cada pensamento.
    Parabéns :)

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Começamos lendo. Depois de ler, usamos o mínimo do nosso intelecto. E pronto, no fim é só comentar.