"Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer"
Graciliano Ramos

segunda-feira, 21 de março de 2011

Romeu e os impostos.

A vida de consumidor está ficando cada vez mais difícil. O país está estreitando nossas relações comerciais mais ínfimas. Fui comprar amor e voltei assim, decepcionado com a burocracia a que estamos sujeitos a enfrentar.

Meu dia começou simples. Acordei, fui ao banheiro e me analisei diante do espelho – Quando acordo, me sinto radiante. Nessa análise cheguei à conclusão de que alguém na situação que estava diante de um espelho definitivamente precisava de um amor.  Então, como bom cidadão fui às compras.

As vias públicas andam congestionadas de pedestres. Uma semana de natal fora de época – O que me faz crer que, ou os impostos abaixaram, ou todos procuram o mesmo que eu.  Andando por dez minutos começo a perceber que terei um dia de cão. E isso deve-se ao fato de eu não saber onde se encontrava a “Filoteca”e por perceber que as horas demorariam à passar  - Até porque, fazia um dia lindo, ameno, ensolarado, pedindo para ser aproveitado junto à sombra de uma arvore, lendo um bom livro.

Ando muito, em voltas, pra cima, pra baixo, corro até achar – finalmente – a tal loja. Loja que estava com uma fila imensa, jamais vista, sem fim! E a minha suspeita improvável se mostra real e presente. Todos apelam para o comércio. Essa gente de agora, que tem família, amigos e animais de estimação não se contentam com a companhia e amor que tem. Querem algo mais. Senão uma porção de amor, um amor que seja como eles idealizam. Amores da altura que quiserem com a voz mais agradável escolherem. E eu, velho quarentão, sozinho no mundo apenas com uma casa, queria um amor para desfrutar da outra metade da fruta que me resta. Poderia ser um cão, não me importo. Tem horas em que a mera companhia de uma criatura irracional nos conforta. Não queremos mais intelecto, queremos carinho.

A fila enorme nunca acabava, e eu já começava a exibir sinais de fraquejo – “Afinal, a solidão não é tão ruim assim...” Passando-se um par de horas, consegui adentrar o estabelecimento. Lá dentro, havia filas e guichês. A frustração foi iminente. Não estava obstinado, obstinação não existe fora do contexto heroico de alguns contos.  Adentrei a fila que me correspondia e lá esperei. Em questão de uma hora, já estava no guichê. É então que começa, com a –nada- simpática atendente.

- Boa tarde, posso ajudá-lo?

- Pode sim, gostaria de comprar um amor. Sabe né, companhia...

- Ah sim, trouxe RG?

- RG? Precisava?

- Sim, precisava. O senhor trouxe?

- Sim, sim. Sempre o carrego na carteira.

- Falando em carteira, e a sua carteira de motorista está aí?

Reagi com espanto agora. Afinal, para quê? Por fim, respondi:

- Está! Mais alguma coisa?

- Para falar a verdade, sim. Gostaria de um comprovante de residência, lista de antecedentes criminais, exames de sangue, certidão de nascimento, certidão de casamento – se tiver – e...

- Como?! Calma, eu não tenho todos esses documentos comigo!

- Chamo o próximo, então?

- Minuto. Só uma dúvida.

A atendente do guichê deixa agora visível sua má vontade expressa na face. Tem pressa para chegar ao término do dialogo:

- Qual?

- E o preço? Qual é?

- Com base nos seus documentos, nós analisaremos sua condição, e mandaremos para aprovação. Caso seja aprovado, pagará impostos mensais sobre o que receber. Mais, as eventuais manutenções. E o frete da encomenda fica incluso.

- E isso demora?

- Média de seis meses.

- Entendo, desculpe o incômodo!

Saí do estabelecimento pasmo, foi o ápice! E confesso ainda estar enquanto escrevo. A vida do consumidor está ficando triste. E mais triste é o antagonismo da burocracia governamental desse país, onde até a compra de amor, se torna um amor impossível.

Voltei para casa sem amor e sem paciência. Como todo cidadão volta. Todo dia.

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