"Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer"
Graciliano Ramos

domingo, 19 de junho de 2011

O primeiro primo.

E o que o pobre primo queria? Queria vê-la procura-lo! Desejava que ela desse sua falta. Esperava uma carta, telefonema, qualquer coisa que demonstrasse sua importância. Necessidade de presença. Era o teste derradeiro, se ele era realmente amado, receberia um sinal. E isso não era de tudo orgulho. Era também uma insegurança e um medo de não ser lembrado que o esmagava com o passar dos minutos.

Convém contar que ele se sentiria patético a telefonando. Se ela não dava importância, porque dar ele? E ele dava, na verdade, mas ninguém precisa saber desses detalhes. Ele só queria provar para mim que ele tinha uma namorada, e mais do que para mim, ele esperava provar para ele também!  Eu, mantendo minha rotina até então, não percebia o exibicionismo escondido na espera de meu primo.

E antes fossem apenas minutos, mas eles se somavam, e ficava mais cômodo transcrevê-los em horas. Meu primo, impaciente e disciplinado sofria quieto à mesa. Seus dedos mostravam a notável esperança e pressa, sede de ver um sinal, por menor que fosse!  Mexiam-se sem pausa, com um ritmo de impaciência e medo.

Pensei em lhe mandar uma mensagem de texto com o número bloqueado para aliviar a dor do silencio que acometera o coitado. Acabava de me perceber sensibilizado com o sofrimento alheio. Mas, porém, tinha também esperança de ouvir a tão detestada por todos nessa casa melodia do telefone. Ou melhor, poderia tocar a campainha! Imagine a alegria, ela vir pessoalmente mostrar que se importa com esse meu familiar inseguro! Viria afobada e diria nas mais doces palavras que não aguentara ficar distante de seu tão amigo e carinhoso rapaz, que resolvera ir vê-lo pessoalmente. Que se sentia acabada a cada minuto de silencio de seu telefone celular, e que precisava vê-lo para ter paz. E o orgulho do primo? Era tudo que ele precisa. Seria plenamente homem, e amado. Alguém por fim!

Dão-se então quinze para a meia noite. Via-me curioso, sem o anseio de me repousar. Somei minhas esperanças às dele. Soma que resulta em numero negativo. Pois toca o telefone, e movido por uma felicidade que tinha o deixado há horas ele pula instintivamente para cima desse. Passa-se um minuto de “uhm” “ah” “tá” e ele, completamente derrotado, com o orgulho ferido nos órgãos vitais, coloca o veículo de comunicação no gancho e senta-se a mesa novamente.

Quietíssimo, acabara de receber uma ligação de minha mãe, que o mandara avisar que eu iria embora amanhã pela manhã. Ele, com meia dúzia de palavras meio mortas repassa-me a mensagem e pousa a cabeça sobre os braços cruzados. Ela não o ama. Nem ao menos o ligou.

O primo, pobre primo! Desistira agora de toda a esperança restante. Desistira até da esperança que eu depositei nesse impasse. Decide dormir. Sei que na verdade, desejara ele dormir para sempre, entrar em coma profundo, não para fugir, mas para punir essa namorada ingrata com seu silencio. Coisa que não aconteceu. Pois no outro dia, ele teve de acordar. 

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